Febre de extração de ouro toma conta de Viseu
A ‘fofoca’ começou há pouco mais de um mês. De lá para cá, cerca de 350 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, dividem espaço no manguezal da ilha de Samaúma em busca de ouro. A atividade garimpeira aos poucos começa a transformar a rotina do município de Viseu, no nordeste paraense, que corre o risco de ver a ‘febre do ouro’ tomar conta da cidade.
Pelo menos 200 maranhenses já fincaram barracos no mangue em busca do metal. Garimpeiros de primeira viagem e gente que já se viciou em pular de garimpo em garimpo. No município, o assunto é tratado com cautela. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente já notificou o Ibama sobre a atividade garimpeira no mangue. O Ibama prometeu vistoriar o local em agosto.
O prefeito Cristiano Vale (PR) diz que é preciso ter muito cuidado com o garimpo. “A cidade não tem estrutura para suportar a vinda de muita gente para cá”, afirma. “É garimpo de gente pobre”, diz o microempresário J. Maia, minimizando a atividade. Maia, no entanto, já fincou um barraco no local. (DiárioOnline)
FAVELA RIBEIRINHA
A ilha de Samaúma fica distante cerca de uma hora de Viseu, em barco do tipo popopô. Todos os dias, dezenas deles saem do porto do Mangueirão, uma favela às margens do rio Gurupi. Levam o rancho para passar até uma semana no garimpo. Outros vão e voltam todos os dias.
A lavra tem sido feita de forma manual, obedecendo o ciclo das marés. É que o ouro está misturado à lama do mangue. Quando a maré seca os garimpeiros tomam conta do espaço. Ao final do dia, muitos obtêm alguns gramas do metal.
Jurandir Gomes de Almeida, 43 anos, havia conseguido 3 gramas depois de uma manhã inteira de trabalho. Já estava há três dias no local, vindo de Godofredo Viana, uma localidade do Maranhão. Nos últimos 12 anos, Jurandir corre atrás da ‘fofoca’, como os garimpeiros chamam a boataria de que um novo garimpo apareceu. “Tá no sangue”, diz ele.
“É uma coisa linda de se ver, o tal do ouro”, diz João Edmilson, 45 anos. Apoiando-se numa muleta, desde que perdeu um dos pés para um tétano, João experimenta a sensação de ser garimpeiro depois de ter dedicado a vida à pesca e à lavoura. É ele quem está tentando articular os garimpeiros para que criem uma associação. “A papelada já tá caminhando em Viseu”, diz ele.
João é morador antigo da ilha de Samaúma. É ele quem conta a história que vem se transformando em lenda a respeito da origem do garimpo. “Há 25 anos uma balsa encostou aqui e o pessoal começou a procurar ouro. De repente eles abandonaram tudo. Foram embora e não levaram nada. Devem ter achado muito ouro, era o que todo mundo pensava. Será que ainda tem? Essa era a indagação que se fazia. E de repente começou do nada de novo”, conta.
Bastou que um aparecesse com alguns gramas de ouro para que a notícia se espalhasse. “Já viu né, o pessoal sente o cheiro de longe”, diz João Edmilson.
>> No acampamento de Samaúma, mulheres e crianças trabalham
Os garimpeiros dizem que a extração tem sido toda feita de forma manual. Não entram máquinas, como as “chupadeiras”, que fazem o trabalho mais rápido e nem é usado o azougue, que contém o temido mercúrio, bom para limpar as impurezas do ouro, mas péssimo para rios. “Chegou máquina a gente nem deixa encostar”, diz Raimundo Mesquita de Oliveira, 62 anos. Oliveira deixou a roça na mão da mulher e foi com filho, irmão e sobrinho tentar a sorte no Garimpo do Samaúma. “Não sou profissional”, diz ele. Mas como a notícia faz brilhar e ferver os olhos de homens embrutecidos, há duas semanas Mesquita armou o barracão de lona no mangue. “A gente tá com fé de que vai achar uma coisinha boa”, diz.
Ao contrário de muitos outros garimpos, no Samaúma as mulheres têm voz e braços ativos. Zilmar da Silva tem 44 anos e há 19 é garimpeira. Começou acompanhando o pai, que não queria de jeito e maneira que ela se enfurnasse em garimpo. Adiantou? “Nada”, diz ela. Zilmar começou cozinhando para os homens. Foi olhando daqui, prestando atenção ali, que começou a tentar usar a bateia. Não parou mais. “Um serviço desse aqui não tem ninguém para ficar te mandando”, diz ela, enquanto mostra no fundo da bateia o ouro que achara pela manhã.
Carmem Lúcia Tavares, 46 anos, acompanha o marido. A comida vem pronta. “Quem pensa que é fácil tá é enganado. É complicado esse serviço”, diz ela. Os filhos, de 12 e 14 anos, ajudam. Só o de 14 sabe “bateiar”. Já achou ouro, inclusive. “Segunda-feira eles vêm, mas não porque começa a aula”, tenta convencer.
>> Brasileiros que fizeram de sua vida a corrida pela sorte
A história de Francisco de Assis Alves, 52 anos, pode ser contada a partir dos garimpos onde foi tentar bamburrar. Começou em 1979, no garimpo de Peixoto do Azevedo, em Mato Grosso. Em 1983 estava em Serra Pelada. Passou por Bom Futuro, em Rondônia, e estava em terras ianomâmi em 1988 quando o então presidente Fernando
Collor mandou explodir a pista clandestina de pouso, para afugentar os garimpeiros. “Onde tem a fofoca eu vou”, diz ele.
Já Valdenio Monteiro Soares, 40 anos, vive a primeira experiência em garimpo. Segurança de um gerente de banco em Viseu, diz que tem esperança de achar um metalzinho. “Quem sabe a sorte não bate? Tem de ter fé”, argumenta.
Nos dentes de Flávio de Oliveira, 40 anos, há a lembrança de outros garimpos. O ouro reluz na frente da dentadura. Oliveira passou pelo Suriname. “O garimpo de lá já foi bom, mas os morenos não gostam muito dos brasileiros”, diz ele.
Os olhos azuis de José Benedito
Lira piscam desconfiados. Para ele, todo mundo é espião do Ibama. Benedito vive em garimpos desde 1986. Mas traz também
outra marca. É irmão de Quintino Lira, o lendário líder posseiro que criou fama nos anos 80, antes de ser assassinado pela polícia. “Me diga uma coisa, moço... não somos brasileiros? Então por que não
deixam a gente trabalhar?”, questiona. Logo em seguida vai até o barco e traz uma bandeira brasileira. “É aqui que eu vou fincar ela. E vou achar meu ouro”, diz. (Diário do Pará)