O deputado federal Sandro Mabel (PR-GO) poderá se desfiliar do Partido da República sem perder o mandato na Câmara dos Deputados sob acusação de infidelidade partidária. A decisão foi tomada na noite desta quinta-feira (22/9) pelo ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral.
O ministro reconheceu a justa causa para a desfiliação depois que o próprio partido afirmou que “a manutenção do Requerente (Sandro Mabel) em nosso quadro de filiados causará indiscutivelmente constrangimentos de natureza política para ambas as partes, como de fato vem ocorrendo”.
A Procuradoria-Geral Eleitoral também opinou pelo reconhecimento da justa causa, diante da manifestação do partido de que a permanência do deputado no PR é incompatível com as diretrizes da legenda. Com a decisão, o deputado pode trocar de partido sem colocar seu mandato à prova.
Sandro Mabel entrou com ação no TSE, representado pelas advogadas Luciana Lóssio e Daniela Maroccolo Arcuri, com o argumento de que foi vítima de discriminação pessoal da direção e de outros integrantes da legenda, o que justificaria sua saída do partido sem a punição de perda do mandato.
O deputado entrou em rota de colisão com o PR quando decidiu, no começo do ano, disputar a Presidência da Câmara dos Deputados com o deputado Marco Maia (PT-RS). Depois de tomar a decisão de concorrer, seu partido declarou apoio à candidatura do petista. O parlamentar alegou que, como insistiu na disputa, passou a ser excluído das decisões partidárias e reuniões da bancada. De acordo com o pedido feito ao TSE, ele sofria “grave discriminação pessoal” da direção do partido.
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Marco Maia foi eleito presidente da Câmara com 375 votos contra 106 votos de Mabel, que lançou a candidatura avulsa. Chico Alencar (PSOL-RJ) teve 16 votos e Jair Bolsonaro (PP-RJ), seis. Apenas 17 dias depois, a Executiva Nacional do PR instaurou processo ético-disciplinar contra Mabel e, imediatamente, suspendeu seus direitos de atividade político-partidária e dissolveu a diretoria da legenda em Goiás, sua base eleitoral.
A briga política virou disputa judicial porque Sandro Mabel foi à Justiça contra a cassação de seus direitos pelo partido. Em abril, a juíza Magáli Dellape Gomes, da 19ª Vara Cível de Brasília, concedeu liminar que suspendeu a punição aplicada pelo partido ao deputado e a dissolução da Executiva Regional da legenda em Goiás.
A juíza acolheu os argumentos da defesa de Mabel, que sustentou que não foi dado ao parlamentar o direito de se defender antes da aplicação das penalidades. De acordo com a liminar, o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal também se aplicam aos processos ético-disciplinares internos dos partidos políticos.
No pedido de reconhecimento de justa causa apresentado ao TSE, Sandro Mabel sustentou que foi fundador do PR e o responsável pelo considerável crescimento do partido em Goiás. “Nas últimas eleições, no estado de Goiás, o Partido da República elegeu 29 prefeitos, 24 vice-prefeitos, quase 300 vereadores, 3 deputados estaduais, e 1 deputado federal, além de ter disputado a eleição para governador com candidato próprio, atingindo mais de meio milhão de votos”, afirmou.
Mabel ressaltou que foi vice-líder e líder do PR e que deixou a liderança da legenda exatamente para disputar a Presidência da Câmara. E sustentou, também, que a decisão do partido de apoiar a candidatura de Marco Maia foi tomada depois que sua candidatura já havia sido lançada.
Depois da disputa judicial para retomar os direitos partidários e o comando da legenda no diretório regional de Goiás, Sandro Mabel declarou que continuaria no partido. Segundo a ação ajuizada no TSE, mudou de ideia porque passou a sofrer perseguição e discriminação, o que tornou impossível sua permanência no PR.
O deputado alegou que o PR tentou destituir todos os membros da Executiva Regional do partido em Goiás e apresentou requerimento administrativo ao Tribunal Regional Eleitoral goiano alterando a composição do diretório regional, “em contrariedade às decisões” da Justiça do Distrito Federal.
Segundo a ação, o partido trocou o nome do presidente do diretório regional no site, à margem das decisões judiciais. Também sustentou que soube, por terceiros, que não foi convidado para uma reunião da bancada da legenda no Congresso. De acordo com suas advogadas, “toda a bancada do PR no Congresso Nacional foi convidada, exceto o deputado Sandro Mabel”.
A possibilidade de reconhecimento de justa causa por discriminação pessoal é prevista na Resolução 22.610/07 do TSE. A resolução foi editada depois que, em outubro de 2007, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o mandato pertence ao partido, não ao mandatário, e, na prática, instituiu o regime de fidelidade partidária pela via judicial no país.
Leia a decisão do ministro Marcelo Ribeiro
Decisão Monocrática em 22/09/2011
PET Nº 144212 MINISTRO MARCELO RIBEIRO
PET Nº 144212 MINISTRO MARCELO RIBEIRO
DECISÃO
Trata-se de ação declaratória de existência de justa causa para desfiliação partidária ajuizada por Sandro Antônio Scodro — Sandro Mabel, com fundamento nos arts. 1º, IV, § 3º, e 2º da Resolução-TSE n° 22.610/2007, em desfavor do Partido da República (PR) (fls. 2-17).
O requerente afirmou que: i) é filiado ao PR desde sua fundação; ii) foi eleito para o quarto mandato de deputado federal - legislatura de 2011/2014 - pelo Estado de Goiás; iii) é Presidente do Diretório Regional do Partido em Goiás; iv) foi vice-líder e líder do Partido da República, respectivamente, de 13.1.2009 a 3.2.2009 e de 3.2.2009 a 25.1.2011, quando licenciou-se para exercer o seu direito de concorrer à Presidência da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 8º, IV, do Regimento Interno daquela Casa.
Informou que, em razão dessa candidatura, tornou-se “persona non grata no Partido, pois em 10/02/2011 teve instaurado contra si processo ético-disciplinar, além de inúmeros outros atos significativos de grave discriminação pessoal” (fl. 4).
Aduziu que (fls. 4-5):
Em 17/02/2011, no referido processo disciplinar, foram impostas contra si ilegais medidas ditas "preventivas", buscando, na verdade, humilhar um membro ativo do partido, discriminá-lo gravemente e, ainda, incompatibilizá-lo com suas bases: a) a imediata dissolução da Comissão Executiva Regional Provisória do Partido da República no Estado de Goiás, com a destituição de todos os seus membros de cargos e funções partidárias; b) a suspensão temporária, por tempo indeterminado, até a decisão final do processo ético-disciplinar, da representação e das atividades político-partidárias.
Tão logo teve conhecimento de tais medidas arbitrárias, o Requerente pleiteou no mencionado processo a revogação das mesmas.
Sem sucesso, não lhe restou alternativa senão recorrer ao Poder Judiciário, onde encontrou amparo e justiça. Tais medidas discriminatórias foram suspensas por decisão judicial!
[...]
Afinal, o PR, em nova manifestação de inequívoca e incansável discriminação pessoal, continuou lutando para retirar-lhe da Presidência do Diretório Regional do PR/GO. [...]
[...]
Por fim, após sentir inúmeras vezes alijado e excluído em seu próprio partido político, a certeza e gota d’água de toda essa grave discriminação pessoal veio com a realização de uma reunião de bancada, em 23/08/2011, na qual “toda a bancada do PR no Congresso Nacional” foi convidada, exceto o Deputado Sandro Mabel (doc. 6).
Destacou que “o Secretário-Geral do Partido da República, Deputado Valdemar Costa Neto, notória liderança partidária, afirmou em entrevista à imprensa: “Disse que o partido não o apoia, mas que ele tem o direito de manter a candidatura” (fls. 46 do PED anexo — doc. 23)” (fl. 6).
Ressaltou que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados permite que um partido apoie um determinado candidato e, ainda, tenha outro filiado como candidato avulso.
Concluiu que, “diante de todo o alegado, é possível constatar sem dúvida alguma que o Requerente é vítima de grave discriminação pessoal a ensejar a justa causa para a sua desfiliação” (fl. 16)
Em 30.8.2011, determinei a citação do requerido, que se manifestou nos seguintes termos (fl. 593):
Em que pese o fato de já ter sido expressa e manifesta a decisão tomada pela Comissão Executiva Nacional do Partido da República em não postular a perda de mandato de Deputado Federal por motivo de desfiliação partidária em face do Requerente, afirmamos que em virtude da linha político-partidária de atuação de nossa legenda no Estado de Goiás e ainda as diretrizes legitimamente estabelecidas pelos Órgãos Superiores do Partido da República, temos que a manutenção do Requerente em nosso quadro de filiados causará indiscutivelmente constrangimentos de natureza política para ambas as partes, como de fato vem ocorrendo.
Diante do exposto e com fundamento nas argumentações expendidas acima, concluímos que é incompatível a permanência do Requerente no Partido da República - PR.
Assim para que possamos evitar enormes constrangimentos de ordem pública e até mesmo pessoal para as partes envolvidas, considera o peticionário, ora Requerido, ser justa a desfiliação pretendida pelo Requerente.
A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pela procedência do pedido (fls. 598-600).
É o relatório.
Decido.
Adoto, como razão de decidir, o ilustrado parecer ministerial, in verbis (fls. 600):
Tendo em vista que o próprio partido requerido decidiu não postular a perda de mandato do deputado federal Sandro Mabel, por entender que a permanência do requerente causaria enormes constrangimentos de ordem política e até mesmo pessoal entre as partes envolvidas, deve a presente ação ser julgada procedente.
Sobre o tema, esta Corte já decidiu que, “Havendo consonância do Partido quanto à existência de fatos que justifiquem a desfiliação partidária, não há razão para não declarar a existência de justa causa” (Pet nº 2.797/DF, DJ de 18.3.2008, rel. Min. Gerardo Grossi).
Ante o exposto, defiro o pedido formulado pelo requerente e reconheço a justa causa para a desfiliação partidária.
Publique-se.
Brasília, 22 de setembro de 2011.
Ministro Marcelo Ribeiro, relator.
Brasília, 22 de setembro de 2011.
Ministro Marcelo Ribeiro, relator.