POLÍCIA PROIBE SOM ALTO EM BELÉM

Sexta-feira à noite em Belém. Antes que o relógio marque 21 horas, a equipe do Disk Silêncio, da Delegacia de Meio Ambiente, recebe a primeira chamada. “Um carro com o som no talo?”, pergunta o investigador Charles Mutran, repetindo a denúncia que ouve pelo celular. A viatura segue a toda para um bar no Conjunto Império Amazônico, no bairro do Souza.
A equipe da Polícia Civil especializada em crimes ambientais se depara com um grupo de quatro universitários numa confraternização pós-aula. O decibelímetro, aparelho eletrônico usado para medir o nível de ruído, acusa que o forró retumbando das caixas de som do Corsa preto atinge 77.2 decibéis (db), 27 pontos a mais do que o nível aceitável, de acordo com a Lei Federal de Crimes Ambientais 9.0605/98.
Constatado o excesso, é aberto um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), e o dono do carro barulhento, mesmo sob protestos, intimado a comparecer ao Juizado Especial de Meio Ambiente. “Esse não incomoda mais por hoje”, comenta o investigador, com uma calma peculiar, apesar de seu trabalho quixotesco.(DiárioOnline)

Cultura ou falta de educação?
ATUAÇÃO LIMITADA
Responsável pelo licenciamento e fiscalização de empreendimentos, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) possui 350 estabelecimentos cadastrados, entre bares e restaurantes com música ao vivo, casas noturnas e clubes. Entretanto, as medições são feitas apenas durante o final de semana, e ainda em esquema de rodízio.
O diretor de Controle Ambiental da Semma, Rodrigo Viana, conta que o órgão recebe cerca de dez reclamações por semana. Para dar conta da demanda, é necessário que se faça o agendamento das vistorias. “Levamos de 15 a 20 semanas para fazer a cobertura do total dos empreendimentos”. Isso dá, nas contas do técnico, duas visitas anuais. “Ainda não é o ideal”, admite.
JUSTIÇA
Os casos levantados pela Dema e Semma são encaminhados ao Juizado Especial de Meio Ambiente. A juíza Maria Vitória Torres do Carmo, responsável pela vara especial, recebe mais de 100 TCOs por mês, sendo 80% referentes à poluição sonora.
A pena para quem cometer o crime, de acordo com o artigo 54 da lei 9.605/98, é de seis meses a um ano de detenção, podendo ser paga com prestação de serviços.
“O número de processos deveria ser bem maior. Mas como se trata de uma cidade violenta, vigiar pelo silêncio não é, em hipótese alguma, prioridade para a polícia”, afirma a juíza.
Serviço
Disk Silêncio – Serviço 24h da Delegacia do Meio Ambiente. Telefones: (91) 9987-9712/ 3238-1225/ 3238-3132
Juizado Especial de Meio Ambiente - Rua dos Mundurucus, 1.466. Telefone: (91) 3224-1187
Semma – Trav. Quintino Bocaiúva, 2.078. Telefone: (91) 3212-4924
Amigos do Silêncio – rejanesbs@hotmail.com

O Disk Silêncio recebe, em média, 30 denúncias diárias, mas em algumas épocas do ano a situação é quase ensurdecedora. No mês de outubro, por exemplo, chegou-se a um total de 137 reclamações. E isso para uma equipe que possui apenas uma viatura para cobrir toda a Região Metropolitana de Belém.
Há tempos Belém é apontada como “capital do barulho”. De acordo com o IBGE, 44% das famílias que residem na capital paraense reclamam de ruas e vizinhos barulhentos. A pesquisa foi realizada entre 2002 e 2003, mas o quadro não parece ter melhorado desde então.
“Não creio que esse número está defasado. Para falar a verdade, a situação só piorou de lá pra cá”, atesta a advogada Rejane Bastos, presidente da Associação Amigos do Silêncio, que desde 2004 orienta vítimas da poluição sonora no Estado.
Ela se baseia em dados da própria Delegacia de Meio Ambiente, que recebeu 10 mil reclamações por ano, em 2007 e 2008. No topo do ranking barulhento estão bares, carros com som alto e festas em locais abertos.
Na opinião da advogada, o maior problema é que as pessoas desconhecem a legislação que trata da poluição sonora. “Os transtornos na cidade começam pelo desconhecimento da lei. Poucos sabem, por exemplo, que a poluição sonora também é delito de trânsito. De acordo com os artigos 227, 228 e 229 do Código Nacional de Trânsito, o motorista infrator pode ser multado, perder pontos na carteira e ter o veículo apreendido para a retirada da fonte sonora”, explica Rejane Bastos.
Para Antônio Carlos Lobo Soares, arquiteto e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, a tese de que o barulho faz parte da cultura paraense é equivocada. “O barulho das festas de aparelhagem, das ‘bocas de ferro’ e dos fogos de artifício durante as festas populares não são uma expressão cultural, mas sim falta de educação”, critica. “Não creio que as pessoas estejam habituadas ao barulho. Elas apenas aprendem a lidar com as situações para evitar problemas futuros. Não se denuncia por três motivos: medo, desânimo e desconhecimento dos direitos”, aponta.
Recentemente Lobo Soares organizou o 1º Seminário da Sociedade Brasileira de Acústica da Região Norte, o primeiro passo para a integração dos diversos órgãos que combatem a poluição sonora no Estado. “Ainda não contamos com uma política de integração”, explica o pesquisador.
O desencontro é visível, por exemplo, no atual cabo de força entre o Centro Integrado de Operações (Ciop/190) e a Delegacia de Meio Ambiente. À frente do Ciop, a Polícia Militar tende a repassar as chamadas referentes a crimes ambientais para a delegacia, aumentando assim uma demanda já difícil de administrar.
“A responsabilidade é de ambos”, explica Rejane Bastos. “Poluição sonora é crime (artigo 54 da lei 9.605/98), portanto é obrigação de qualquer polícia agir para que seja coibido”.
Outro caso emblemático de falta de sintonia entre os órgãos do poder público é o da lei municipal 7.990, de 17 de fevereiro de 2000. A lei estabelece para o município níveis máximos de 70 decibéis para eventos durante o dia e 60 durante a noite, em contradição com a lei federal, que prevê apenas 55 decibéis no período diurno e 50 no período noturno. “A lei municipal está em completa discordância com a norma geral”, afirma a advogada Rejane Bastos.

 
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