ARTIGO: LIÇÕES DESDE O JAPÃO

Sergio Xavier
Nem vale a pena perdermos tempo falando da covardia do time do Santos, da inoperância de Neymar, da superioridade constrangedora do Barcelona. Isso, francamente, não tem importância histórica. Mesmo que o Barcelona fosse menos dominador, que o Santos fosse mais corajoso e que Neymar fosse mais eficiente provavelmente a taça seguiria em mãos catalãs.
É menos relevante o resultado do título mundial do que o legado que será deixado ao futebol como um todo. O clima no Brasil após o 4 x 0 é menos de tristeza e mais de despertar. Nunca ficou tão nítido para os brasileiros que é preciso mudar e se espelhar em quem sabe mais. Em inglês, existe até um nome bonito para o ato de copiar: benchmarking. Buscar soluções com quem saiba fazer melhor. Hoje, o melhor benchmarking do futebol mora na Catalunha.
O choque que o brasileiro está passando agora já foi sentido na metade do ano por uma outra nação que se orgulha do futebol que pratica. Os ingleses aprenderam na marra que tinham muito o que aprender na final da Liga dos Campeões. Não foi o Manchester que foi subjugado pelo Barcelona em Londres. Foi o futebol inglês como um todo que se curvou a uma escola que prega desarme de bola, posse de bola e bola no chão. Três expressões que, não por coincidência, se referem a razão de viver do futebol, a própria bola.
A Inglaterra aprendeu no verão europeu, o Brasil está aprendendo no verão sul-americano. É preciso gravar a partida do Barcelona contra o Santos e passar exaustivamente nas escolas, nas escolinhas, nos clubes de futebol. Não é difícil entender, duro é executar os ensinamentos. Logo após sair de campo, Neymar reconheceu que tomou uma aula de futebol. A frase foi seu melhor momento na final do Japão, aliás.
O Barcelona não é melhor do que os outros pelos jogadores que possui, apesar de contar com o melhor dos melhores, Lionel Messi. A supremacia catalã vem dos pequenos detalhes do jogo, todos relacionados à bola. Quando não está com ela, luzes vermelhas se acendem no quartel-general barcelonês. É como se uma sirene tocasse até que a bola seja recuperada. A partir de então, tudo muda. A urgência dá lugar à serenidade. Calma, calma. Qual a melhor jogada? Quem está melhor posicionado? Alguém está impedido? Da recuperação da bola até o lance agudo podem se passar mais de minuto de troca de passes como aconteceu no segundo gol de Xavi.
Eis a primeira lição. Urgência sem a bola, calma quando se tem ela nos pés. A segunda é sincronismo, algo que começa no conceito teórico e só vira realidade com uma suada rotina de treinos. Não adianta dois ou três tentarem roubar a bola se o resto do time estiver imóvel. Não adianta dois ou três tentarem formar pequenos triângulos para a troca de passes se os outros jogadores não estiverem procurando se desmarcar. Por fim, a perseverança. A terceira lição é seguir os passos 1 e 2 durante toda a partida, sem relaxamento. Eram mais de 40 minutos do segundo tempo quando o zagueiro santista Bruno Rodrigo foi encurralado por Pedro na esquina do campo. Nesse instante, Fábregas, Daniel Alves e Messi fecharam todas as fronteiras por terra. A única possibilidade seria a fuga aérea, apenas um balão salvaria Bruno. Ele tentou um passe pelo chão e o Barcelona quase marca o quinto. Para que tanto? O jogo não estava vencido? Essa volúpia por mais é o que distingue o Barcelona dos demais times de futebol. A aula de futebol ministrada pelos hermanos espanhóis custou caro para o orgulhoso futebol brasileiro. É bom que sirva para o futuro. Por mais que descubramos neymares da vida, eles só serão decisivos se tivermos aprendido que o individualismo precisa ser apoiado por um jogo coletivo.
Fonte: Placar

 
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