MAIORIDADE PENAL

 PROFº. ANDRÉ COLEHO
SOBRE A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: MINHA POSIÇÃO

- Primeiro: Quando penso sobre este tema, distingo dois planos de análise, cada um com uma questão distinta. O primeiro é um plano moral, em que a questão é se é moralmente aceitável punir menores de dezoito anos pelos crimes que tenham cometido. O segundo é um plano político, em que a questão é se a redução da maioridade penal seria uma boa política criminal para reagir ao número crescente de crimes praticados por menores de dezoito anos. As pessoas costumam confundir estas duas questões. Muitos defensores da redução pensam que responder positivamente à primeira questão já levaria a responder positivamente à segunda, o que é um erro. Da mesma forma, muitos críticos da redução pensam que responder negativamente à segunda questão requereria responder negativamente também à primeira, o que é apenas o erro inverso. Vou tentar deixar claro por que a conexão entre estas duas coisas não é direta como pode parecer a muitos.

- No plano moral, a questão é:

É moralmente aceitável punir menores de dezoito anos pelos crimes que tenham cometido?

Em relação à qual creio que a resposta seja positiva. É moralmente aceitável puni-los, desde que existam indícios bastantes de que eram dotados da escolha livre e responsável e de que estavam cientes da ilicitude de seus atos. Como este pode não ser o caso de todos os menores de dezoito anos, seria bom deixar espaço no julgamento de cada caso para a avaliação da maturidade psíquica e da imputabilidade moral do menor que fosse réu.

Aqui, é bom frisar, ainda estamos discutindo se é moralmente aceitável puni-los - sem dizer ainda de que punição se trata nem se ela deveria ser aplicada na mesma medida e forma que é aplicada aos maiores de dezoito. Ser moralmente aceitável puni-los não implica automaticamente que seja moralmente aceitável puni-los da mesma exata maneira. Uma distinção que costuma ser negligenciada no debate sobre o assunto. Afinal, se existe individuação da pena, então, num sistema que aplicasse penas a menores de dezoito anos, o fato de serem menores poderia ser uma das circunstâncias a serem consideradas. Eles poderiam ser punidos com regimes especiais, em instituições especiais e com prazos e regras especiais. Não estou dizendo que em caso algum seria aceitável puni-los da mesma forma que se punem os maiores de dezoito, estou apenas dizendo que não há nada de incoerente em aceitar que se pode puni-los e ao mesmo tempo defender que as penas aplicadas a eles sigam algum tipo de regime especial.

- No plano político, a questão é:

A redução da maioridade penal seria uma boa política criminal para reagir ao número crescente de crimes praticados por menores de dezoito anos?

Neste caso, como a resposta depende de condições contextuais, ela teria que ser situada especificamente no Brasil. Quereríamos, então, saber se a redução da maioridade penal seria uma boa medida de política criminal no Brasil. A resposta, é claro, depende do quanto você acredita na pena como providência adequada com que reagir ao crime e de qual impacto sobre o número de crimes você considera que tem o aumento da gravidade das penas. Se você considera que, quanto maiores as penas, menores os índices criminais (e vice-versa), tenderá a achar que é uma boa medida. Eu, particularmente, não penso assim.

Penso que, embora, como disse lá em cima, impor penas aos menores de dezoito anos fosse moralmente aceitável, não seria politicamente atraente. Puni-los não é nem moralmente proibido, nem moralmente obrigatório, é apenas moralmente aceitável, o que deixa espaço para a comunidade política decidir, com critérios políticos, e não morais, se quer ou não quer tomar este caminho à procura de suas aspirações. É neste sentido que considero que o caminho não é promissor nem atraente por dois motivos.

Por um lado, porque o aumento da criminalidade juvenil não se deve às medidas excessivamente leves do ECA, mas a uma multidão de causas sociais, econômicas e culturais que vão desde a desestruturação da família até a falta de oportunidades de educação, desde a escalada de referenciais consumistas de vida até a rendição da juventude ao vício das drogas. Atacar o problema pela ponta da punição é voltar os olhos para a direção errada do vetor da violência. Trata-se menos de o que fazer com os que delinquem e mais de o que fazer para que não venham a delinquir.

Por outro lado, porque o sistema prisional no Brasil já está suficiente falido para justificar não apostar nele como solução para praticamente problema social algum. Não há perspectivas nem mesmo de médio prazo de que nossas prisões serão lugares em que os detentos serão tratados com respeito e preparados para ressocialização efetiva. Da mesma forma, seria utópico esperar que se empregassem verbas e profissionais adequados para instituições de punição especial para os jovens. Eles seriam simplesmente jogados nas mesmas celas que os milhares de outros que lotam nossos depósitos de animais humanos. Pegar adolescentes que delinquiram com personalidade ainda em formação e submetê-los à máquina de moer corpos, almas e esperanças e de imprimir estigmas definitivos que é nosso sistema prisional é trabalhar na transformação de jovens problemáticos em adultos irrecuperáveis. A ideia não poderia ser pior que esta.

- Então, a minha resposta à primeira questão é de que seria, sim, sob certas condições, aceitável punir menores de dezoito pelos crimes que tenham cometido. Mas minha resposta à segunda questão é de que não seria de modo algum uma medida interessante de política criminal reduzir a maioridade penal e jogar os adolescentes em nossas prisões tais como elas funcionam hoje. Como podem ver, não há nada de incoerente, segundo penso, em responder sim à primeira questão e não à segunda. Trata-se, simplesmente, de questões diferentes, a serem examinadas por pontos de vista e a partir de considerações diferentes.

 
BLOG ARIEL CASTRO © 2012 | Designed by NOVA CV