JOGO DO BICHO: PARLAMENTARES DISCUTEM PUNIÇÃO MAIOR PARA ESTA CONTRAVENÇÃO


O popular jogo do bicho deve ser considerado um crime previsto no Código Penal Brasileiro e passível de punição severa, equivalente aos crimes de tráfico de drogas, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro? Esta é uma pergunta que tem intrigado juristas e membros do Congresso Nacional, já que o presidente do Senado, José Sarney, recebeu recentemente do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) um documento com propostas de alterações no Código Penal, além de uma compilação de sugestões para alterações e adequações em projetos de lei. Dentre os assuntos abordados está a criminalização do jogo do bicho, uma discussão que tem sido levantada pelo secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame, do Rio de Janeiro, onde a prática é bastante comum.

De acordo com o Decreto-Lei nº 3.688/1941, também conhecido como Lei das Contravenções Penais, o jogo do bicho está no Artigo 58 e significa 'explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração'. A contravenção pode resultar em pena de quatro meses a um ano de prisão.
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Na prática, por ser parte da cultura popular, dificilmente uma pessoa é presa por organizar ou participar dessa atividade, pois a quantidade de agências e de 'bicheiros' - como são chamados os que trabalham neste ramo - em todo o território nacional é enorme. Em 11 de janeiro deste ano, porém, o patrono da escola de samba Beija-flor, Anísio Abraão David, de 75 anos, foi preso no Rio de Janeiro acusado de chefiar um esquema do jogo do bicho em Nilópolis, na Baixada Fluminense. Atualmente ele está custodiado em um hospital particular porque apresenta problemas de saúde.

A prisão dele ocorreu durante a operação Dedo de Deus, deflagrada em dezembro de 2011 pela Polícia Civil do Rio. Os mandados de prisão preventiva também foram decretados contra mais sete pessoas, dentre elas Luizinho Drummond, embaixador da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, e Hélio Rubens de Oliveira, o Helinho, presidente da Grande Rio. O primeiro continua foragido, já Helinho conseguiu habeas corpus na última segunda-feira (13) e garantiu presença no desfile da sua escola de samba neste carnaval. Em 2011, 2.903 pessoas foram presas por envolvimento com o jogo do bicho, apenas no Rio de Janeiro.

No Pará, a prática em si não tem levado ninguém para trás das grades, e apenas pessoas indiretamente ligadas ao jogo do bicho são detidas. A última ação com destaque na imprensa paraense, por exemplo, foi a operação Tio Patinhas, deflagrada pela Polícia Civil e pela Polícia Militar nos municípios de Ananindeua e Marituba, durante a qual foram apreendidas 108 máquinas do tipo caça-níquel que estavam em funcionamento em 68 estabelecimentos comercias, sendo que na maioria deles eram realizadas apostas do jogo do bicho.

Esta operação ocorreu em 29 de dezembro do ano passado e contou com a participação de 87 policiais civis e militares, mas já vem ocorrendo pontualmente desde maio de 2011, combatendo o tráfico de drogas, a pirataria e o funcionamento ilegal dessas máquinas na região. Com a colaboração da população pelo Disque Denúncia (181), a última operação conseguiu apreender 62 pessoas, saldo que o coronel Marcos Machado, do Comando de Policiamento da Região Metropolitana (CPRM) da Polícia Militar, considerou positivo e um indicativo de que a segurança pública do Estado está no 'caminho certo'. As investigações em curso, todavia, estão focadas para descobrir os responsáveis pela fabricação e distribuição dos caça-níqueis.

Delegado: 'problema está nos bastidores'

Para o diretor da Divisão de Investigações e Operações Especiais (Dioe) da Polícia Civil, delegado Neyvaldo Silva, não adianta combater o cambista ou o apostador, pois isso não resolveria o problema do jogo do bicho. 'O que está em questão não é a atividade em si, mas o que está por trás dela. Crimes como lavagem de dinheiro por conta do tráfico de entorpecentes e a formação de quadrilha, entre outros, são os principais problemas, situações que acontecem nos bastidores', pontua o delegado.

Ainda segundo o diretor, seria necessário realizar uma grande operação coordenada pelos órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública do Estado, mediante o apoio e acompanhamento do Ministério Público, do Tribunal de Justiça e da Polícia Federal no Pará, para que fosse possível fazer um pente-fino e, então, detectar todo tipo de crime relacionado ao jogo do bicho e os principais responsáveis por ele. Contudo, é preciso tempo e investimento consideráveis.

'O jogo do bicho é uma atividade ilegal e, ao mesmo tempo, uma fonte de renda para muitas famílias, tanto que existe uma demanda razoável no Tribunal Regional do Trabalho com relação aos empregados do jogo do bicho que exigem seus direitos trabalhistas em detrimento dos seus patrões', complementa o delegado Neyvaldo.

O diretor da Dioe faz questão de ressaltar que a atividade é ilícita e que cabe à Polícia Civil investigar o que há por trás dessa prática.

'Frequentemente realizamos operações que visam apreender máquinas caça-níquel e produtos piratas na capital e interior do Estado e as pessoas que são detidas nessas ações, em geral, acabam apenas indiciadas em TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), pois são pessoas humildes e sem envolvimento com a criminalidade. Entretanto, para aquelas que já respondem inquérito, o caso é diferente. Dependendo da situação em que foi encontrada e da acusação, as pessoas podem ficar presas. Uma característica muito comum nessas operações é que, na maioria das vezes, no mesmo ambiente em que encontramos essas máquinas ou produtos piratas, está presente o jogo do bicho', destaca.

Criminalização não garante fim do problema, afirma advogada

De acordo com a advogada criminalista Quésia Cabral, a principal diferença do crime para a contravenção penal é a gravidade, isto é, o potencial ofensivo de uma determinada atividade ou ação.

'O crime é previsto no Código Penal Brasileiro e suas penas são mais rígidas, em contraponto da contravenção penal, cujo potencial ofensivo é considerado menor', enfatiza.

Para ela, o Direito é uma ciência que evolui junto com a sociedade e discussões sobre a criminalização ou legalização do jogo do bicho não são novidade.

'O adultério antes era considerado crime, mas agora deixou de ser. A Justiça entendeu que esta ação faz parte da esfera particular do indivíduo, mais precisamente de um casal, e, portanto, não caberia mais punição por não ser mais tão recriminado pela sociedade', destaca.

Além disso, a advogada acredita que não será a partir da criminalização da atividade que se chegará a uma solução para o problema.

'A população, em geral, quer que tudo seja crime. Criminalizar a conduta não resolve. Tomamos como exemplo os Estados Unidos, que tem pena de morte e, mesmo assim, continua sendo palco de massacres e crimes tão ou mais violentos que aqui no Brasil', ressalta.

Para Quésia, o problema do jogo do bicho poderia ser resolvido na esfera administrativa ou tributária.

'Às vezes, mexer no bolso do cidadão surte mais efeito que colocá-lo prisão. Particularmente, acredito que toda essa discussão no Congresso Nacional gira em torno da questão tributária, pois, assim como a atividade de camelô, o jogo do bicho não presta contas para o Estado, isto é, quem pratica está lucrando sozinho', conclui.

Trabalhador afirma que sustenta família com a prática ilegal

Um ponto aparentemente pouco discutido pelos parlamentares é o que diz respeito às pessoas que dependem do jogo do bicho e tem a prática como única ou principal fonte de renda.

Uma dessas pessoas é Joaquim Passos, de 47 anos, funcionário de uma agência de jogo do bicho de Belém. Para ele, a atividade, mesmo sendo ilegal, garante o sustento da família desde quando ele começou a trabalhar, aos 16 anos.

'O jogo do bicho oferece emprego direto e indireto para muita gente. Todo mundo sabe disso. O que realmente nos incomoda é a maneira como algumas pessoas nos olham, como se fôssemos criminosos ou se fizéssemos parte de alguma organização criminosa. Eu não faço. Para mim, todo jogo é jogo de azar e eu conheço mais gente que já ganhou no jogo do bicho do que na Mega-Sena, Quina, Lotomania e todos esses outros concursos legalizados. E aí?', desabafa Passos.

Ainda segundo o trabalhador, a atividade é uma das mais democráticas que ele conhece e, assim como tantas outras, possui seus bons e maus profissionais.

'Há bons e maus policiais militares, bons e maus políticos e bons e maus bicheiros. Não vejo diferença. Considero todas essas ocupações formas honestas de ganhar a vida e sustentar a família', avalia.

A reportagem tentou contatar vários proprietários e organizadores de agências de jogo do bicho que atuam na Região Metropolitana de Belém, na tentativa de saber o que pensam sobre a discussão no Congresso Nacional, porém, ninguém se mostrou interessado ou quis comentar o assunto.

 
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